domingo, outubro 22, 2006

Entrevista

Wander Wildner: uma década bebendo vinho


Com pouco mais de uma década de carreira, Wander Luiz Wildner é hoje um dos maiores nomes do rock gaúcho. Definido pela maioria de seus analistas como “visceral”, este virginiano, filho de alemães, se considera um estranho no ninho. Ao mesmo tempo em que é um astro capaz de esgotar as lotações das casas de show em que se apresenta, procura manter distância da vida pública, dos autógrafos e das fotos. E se, quando do lançamento do seu primeiro disco, ele mesmo se auto-intitulava “punk brega”, hoje torce o nariz para o que chama de “rótulo”. Justiça seja feita: Wander sempre admitiu seu lado contraditório. Em 2005, lançou “10 Anos Bebendo Vinho” - uma coletânea contendo seus hits indispensáveis, como “Empregada”, “Eu tenho uma camiseta escrita eu te amo”, e claro, “Bebendo Vinho” -, mas diz já estar cansado de fazer música. Seus planos? Morar num lugar tranqüilo, uma praia pequena, bem longe da cidade grande. Talvez por lá ele consiga ser alegre o tempo inteiro.

Pergunta - Desde quando a música está presente na sua vida?
Wander - Eu, desde cedo, ouvia música. Meu pai –que trabalhava na Caldas Junior (empresa dona do Jornal Correio do Povo e da Rádio Guaíba)- tinha um radinho de pilha, e deixava ligado na Guaíba. Então, o rádio e o jornal eram as minhas fontes de informação. A música veio através do rádio mesmo. Na época, tocava Jovem Guarda, o Iê- Iê-Iê, música popular... Depois, como eu tinha o jornal, ficava sabendo o que acontecia em Porto Alegre, e aí comecei a freqüentar os shows na capital. Já nessa época, nos anos 70 –eu tinha uns 17 anos – havia uma Rádio, a Continental, que tocava músicas dos grupos daqui, como os Almôndegas (do qual saíram Kleiton e Kledir) e outros grupos, que faziam música folk, um som que não era rock, mas apenas canções. Estes grupos, junto com a Jovem Guarda e a música brega nacional, foram as minhas influências.

Pergunta - Então, você não é filho de músicos?
Wander - Não.

Pergunta - Antes da carreira musical, você também trabalhou como iluminador de peças teatrais no Rio de Janeiro...
Wander - Na verdade, eu trabalhava aqui. Antes dos Replicantes eu fiz teatro. Fazia parte um grupo teatral, como ator. Nós estávamos ensaiando uma peça, quando eu saí deste grupo. Depois, eu retornei, mas cuidando da iluminação, coisa que eu nunca tinha feito antes. Então comecei a cuidar da luz em teatro e shows. Depois, em 1983, eu fui para o Rio de Janeiro trabalhar na TVE, fazendo a produção do programa Para Começo de Conversa.

Pergunta - E esta foi a primeira vez que você saiu do Estado?
Wander - Eu já havia ido ao Rio antes, com a peça de teatro. Mas esta foi a primeira vez que morei fora, por um ano. A princípio, fui trabalhar nesse programa de TV, mas fiquei só um mês, e acabei trabalhando com iluminação de novo.

Pergunta - Por que você deixou a TV?
Wander - Eu não gostava de trabalhar no Rio. Nós fazíamos aqui um programa diário de 45 minutos. Lá, eu era o estagiário do assistente de produção, num programa mensal de uma hora de duração. Era outro mundo, que não compensava. Neste tempo, eu ficava na casa de uns amigos gaúchos, que faziam iluminação. Como eu já tinha experiência com este tipo de trabalho, comecei a trabalhar com eles, e fiquei um ano.

Pergunta - E como você entrou para os Replicantes?
Wander - Como eu fazia iluminação de shows, cheguei a trabalhar com os guris da Replicantes. Certa vez, brincando, falei para eles que um dia eu faria parte da banda. Em dezembro, quando voltei pra Porto Alegre, fui aos ensaios da banda, com uma guitarra, tentar uma chance. Mas eu não sabia tocar, e eles também só sabiam tocar daquela forma que haviam aprendido. Então, eles saíram de férias, e me deixaram uma fita K7 com sete músicas. Fiquei um mês ouvindo e cantando em cima. Quando chegaram, eu fui ao ensaio e cantei.

Pergunta - E nesta época vocês já tinham este elemento punk na banda?
Wander - Eles ouviam outras bandas punk. Eu já tinha ouvido Camisa de Vênus, em Salvador. Os guris, aqui, ouviam Sex Pistols, The Clash, Ramones... Então o som saiu parecido, mas nós não éramos punks, de maneira alguma.

Pergunta - Você participou também de outras bandas.
Wander - Sim, mas depois. Mais tarde, voltei para os Replicantes, e fiquei até agosto deste ano.

Pergunta - E agora a saída é definitiva?
Wander - Eu espero que sim (risos). Com certeza, não é o tipo de som que eu quero fazer.

Pergunta - Por que, então, você saiu e voltou?
Wander - Eu voltei porque eles me convidaram, quando o Carlos Gerbase (vocalista) saiu. Eu estava morando em Porto Alegre, já com a carreira solo firmada, e aceitei. Foi só mais um trabalho.

Pergunta - E como foi manter as duas carreiras ao mesmo tempo?
Wander - Até este ano conseguíamos conciliar. Agora ficou mais complicado, pois tenho mais shows solo para fazer. Mas eu saí da banda, realmente, porque já estava cansado de cantar aquelas músicas.

Pergunta - E como ficou a sua relação com os outros componentes da banda?
Wander - Igual. Nós já éramos amigos antes, e continuamos agora.

Pergunta - Como surgiu a história de você ser um “punk brega”?
Wander - Esse foi o rótulo que eu dei para o meu primeiro disco. Como não me enquadrava em nenhum estilo, criei este.

Pergunta - Mas até hoje você é lembrado como tal.
Wander - Ah, eu uso até hoje o e-mail punkbrega arroba tal, não mudei ainda. Então as pessoas acham que eu quero que me chamem assim, mas espero mudar o e-mail até o ano que vem.

Pergunta - Então, hoje, você não é mais punk brega?
Wander - Foi só o estilo de um disco, uma bobagem. É que as pessoas gostam de rótulos.

Pergunta - Mas, neste caso, foi você mesmo que se auto-rotulou.
Wander - Na verdade, foi só o disco. E foram só palavras. O problema é que as pessoas dão importância demais pra isso. No fim, é tudo música, somente música. A imprensa também, para simplificar, acostuma as pessoas com estes rótulos.

Pergunta - As bandas gaúchas têm, historicamente, dificuldades em ultrapassar as fronteiras do Estado. Como você explica esta empatia que o resto do país tem com o seu som?
Wander - Eu viajo muito, pelo Brasil todo. É assim que a minha música chega aos outros lugares. E o meu som é bem brasileiro, brega. Eu não sei explicar o que acontece, mas as pessoas se identificam.

Pergunta - Você participou do Acústico MTV Bandas Gaúchas (no qual participaram também as bandas Ultramen, Bidê ou Balde e Cachorro Grande). Isso também abriu muitas portas, não?
Wander - Claro. Todo trabalho no centro do país gera uma repercussão grande. Este ainda mais porque teve uma divulgação enorme, por se tratar a MTV de uma emissora musical, direcionada ao público jovem. Mas tudo isso é só música. E eu não sei nem quanto tempo eu vou continuar fazendo música. Eu já fiz outras coisas, e posso começar a fazer outras, a qualquer momento. É que a sociedade diz que as pessoas têm de ter uma carreira, mas eu não me importo com isso. Eu não faço parte desta sociedade. Apenas estou aqui, hoje. Já nem gosto muito de cidades grandes. Eu vivo numa sociedade alternativa, onde essas coisas, como nomes e definições, não têm importância. Eles fazem com que as pessoas estudem, trabalhem, tenham filhos, comprem um carro... Mas, desde os 14 anos, eu percebi que havia uma pressão pra que eu fizesse coisas que não gostava. Foi aí que eu comecei a procurar o diferente. Então, eu estou cantando agora, mas já estou pensando em fazer outras coisas.

Pergunta - Que outras coisas?
Wander - Estou pensando em fazer filmes. Quero produzir.

Pergunta - Que tipo de filme? Curtas, longas metragens?
Wander - Curtas, longas, médias, o que for. Eu quero contar histórias. Eu já trabalhei com Super 8. Aliás, eu comecei no cinema, participando de filmes. Participei do Deu Pra Ti Anos 70 (primeiro longa em Super 8 produzido no Estado), inclusive. Gosto de filmes porque é algo que se faz uma vez. Nos shows tenho que estar toda hora fazendo a mesma coisa.

Pergunta - Então, os shows vão terminar?
Wander - Eu vou reduzir os shows. Não é só pelo público que farei shows, eu também tenho que gostar. Hoje eu já não gosto tanto de fazer isso.

Pergunta - Você disse que não gosta de cidade grande. Você não gosta da cidade grande ou do público grande?
Wander - De tudo. Da cidade, do público...

Pergunta - E cidade grande seria o quê? Porto Alegre, por exemplo?
Wander - Não, qualquer uma que tenha mais de meia dúzia de pessoas (risos). Eu não gosto dessa sociedade, quero sair fora. Quero morar em outro lugar, mais tranqüilo – praia talvez - de onde eu saia só para os shows. Hoje as coisas não são como antes, as pessoas já não me interessam muito.

Pergunta - Você se cansa rápido das coisas?
Wander - Eu não gosto de como as coisas são. Não estou correndo atrás da mesma coisa que os outros. As pessoas estão aceitando esta sociedade.

Pergunta - A sua banda já fez uma turnê pela Europa. Como foi essa experiência?
Wander - Foi ótimo, é uma grande aventura. Ficamos um mês fazendo shows. É uma mistura de Rally, Survival e Big Brother (risos).

Pergunta - Mesmo as pessoas falando uma língua diferente, eles entendiam vocês?
Wander - Eles entendiam até mais do que aqui, porque a cultura é outra. O nível da nossa cultura é muito baixo, as pessoas querem só ouvir músicas conhecidas. Se num show, o artista toca uma música que não está nas rádios, o povo já deixa de prestar atenção, sai para comprar cerveja. Até o meu público faz isso. Se eu tocar uma música nova hoje, menos de metade das pessoas vai prestar atenção. Vão começar a conversar, ou ir para o bar. Na Europa, o povo é diferente. Começa o show, eles prestam atenção, começam a se mexer, dançar e, no fim, já querem aprender a letra. Claro, eles têm dois mil anos. Nós temos só 500, e ainda tivemos uma colonização escrota.

Pergunta - E dos lugares que visitou (Nova Zelândia, Alemanha), algum te chamou mais atenção?
Wander - Todos (risos). Tudo lá é bonito. Todos têm dinheiro, educação, vivem bem. Não posso escolher um lugar porque todos são parecidos. Claro, havia um local ou outro onde o som não era bom, mas, no geral, tudo era legal.

Pergunta - Você está, então, há dez anos bebendo vinho. Hoje, que sabor teria o seu vinho?
Wander - Ah (risos)! Acho que seria um Cabernet Sauvignon, da África do Sul. Foi o melhor vinho que tomei nos últimos anos.

Pergunta - Você bebe muito vinho, ou é lenda?
Wander - Não, eu bebo bons vinhos (risos). Às vezes, abro uma garrafa e bebo metade no almoço, depois metade no jantar.

Pergunta - Em 2005, você lançou a coletânea “10 Anos Bebendo Vinho”. Como foi fazer a seleção das músicas?
Wander - Tive problemas com a liberação dos direitos autorais. Para liberar, exigiam que eu pagasse adiantando, o que seria inviável. Então, só pude pôr as músicas de minha autoria, e umas poucas outras, que consegui liberar sem o bendito pagamento prévio. Mas algumas músicas, como “Quase Um Alcoólatra”, tiveram que ficar de fora. Como sairiam cinco mil cópias, teríamos que pagar dois mil reais por cada música. O direito autoral que você paga em um disco independente é seis vezes maior do que as gravadoras pagam.

Pergunta – Os seus shows, principalmente em cidades menores, são um grande acontecimento. O que você acha dessa adoração que o público tem pela sua pessoa?
Wander – Pois é, em todo lugar tem sido assim, é uma reação comum das pessoas. Mas hoje é assim, essa nova geração está muito mais interessada na imagem, na pessoa, do que na música. A pressão dos fãs é uma coisa que me incomoda muito. Eles querem tirar foto ou pedir autógrafo só porque estão próximos de uma pessoa dita “conhecida”. Considero isso uma pobreza imensa.

Pergunta – Mas a imagem não é importante?
Wander: Sei lá. Não tenho vontade de falar com um artista só porque o admiro profissionalmente. Não quero conhecê-lo como pessoa, entende? Talvez nem seja positivo, talvez o melhor seja ficar só com a música. Deve-se conhecer alguém por amizade, por relação, e não apenas pela música. Não quero conhecer o Bob Dylan, ou o Neil Young, eu não quero falar com eles. Claro, se eu estiver e nós formos apresentados por amigos, ou se o pneu de algum deles furou no meio da estrada e eu parei para ajudá-los, aí é outra coisa. Mas não vou conversar com alguém só por ele ser artista. Mas é porque eu sou mais antigo. Na nossa época, quando os Replicantes surgiram, ninguém vinha pedir autógrafo. Mas hoje a mídia inventa essa história pobre. E como as pessoas já estavam pobres, com a cultura prejudicada, estão aceitando tudo que vem.

Pergunta: Mas os fãs querem ter uma recordação do ídolo. Você, como artista, não deveria compreender os mecanismos desta troca?
Wander: Eu entendo que eles são manipulados, mas também que se deixam manipular. Esse é o conflito, porque prejudica todo mundo, eles e a mim. É por isso que eu já não tenho mais vontade de cantar. Por isso vou fazer menos shows, e parar daqui a um tempo. Vou fazer como o Ney Lisboa, sair de casa só por quinze “pila”. Vou pedir um valor alto só para não precisar sair, sabendo que ninguém vai pagar esse preço (risos).

Pergunta: E quais são os seus projetos próximos?
Wander: Até novembro vou terminar de gravar o disco novo, que será lançado em março. Vai se chamar “La Canción Inesperada”.

Pergunta: Você fará turnê?
Wander: Sim, faremos shows, espero que não muitos (risos).

Pergunta: A Marisa Monte tem uma vida discreta, lançando um CD a cada três anos. Não seria uma boa idéia a ser seguida?
Wander: Eu não sei. Não componho há mais de dois anos. As músicas que vou gravar agora estão prontas há muito tempo. Provavelmente, quando eu terminar esta turnê, não haverá nenhuma música nova. Depois, pretendo lançar um DVD, com todos os clipes da minha carreira. Em 2008, devo passar três meses na Europa. Pelo menos essa é a idéia, mas são apenas planos. Talvez eu me apaixone, case e largue tudo antes até de terminar o próximo disco. Pode ser que eu compre um cachorro e queira criá-lo na praia. Então, por causa do cão não poderei viajar (risos).

4 Comments:

Blogger Reverendo R. said...

Eis a volta da Maressah! Ainda bem, e exercendo sua profissão.

O Wander diz que as pessoas amam dar rótulos, por que ele rotula as pessoas assim?

Tá, implicâncias à parte, bacana a entrevista.

E ele confirma algo que eu sempre pensei do Replicantes, que nem os caras da banda aguentam aquelas músicas... huehueuh.

Até!

3:14 PM  
Anonymous Anônimo said...

parabéns guria... ficou bem legal essa tua entrevista, hehe...

4:53 PM  
Blogger Maressah Sampaio said...

Ah sim, achei bem engraçado ele não gostar do som dos Replicantes. Aliás, ele mesmo se rotulava... Quem não é contraditório?

8:46 PM  
Blogger Reverendo R. said...

É verdade, e tem aquela parte interessante que ele fala que detesta a sociedade e seus valores (entendido o dinheiro como o principal) e depois diz que a Europa é bacana, dentre outras coisas - mas principalmente por - haver dinheiro lá, tudo ser limpo... heheh, bem interessante.

E viva a contradição que auto-implode o discurso.

1:49 PM  

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